quinta-feira, 1 de abril de 2010

Afinal, o que é o tempo?

Interpretando uma poesia de Carlos Drummond de Andrade




Há horas em nossa vida que somos tomados por uma enorme sensação de inutilidade, de vazio.

Questionamos o porquê de nossa existência e nada parece fazer sentido.

Concentramos nossa atenção no lado mais cruel da vida, aquele que é implacável e a todos afeta indistintamente: As perdas do ser humano.

Ao nascer, perdemos o aconchego, a segurança e a proteção do útero.

Estamos, a partir de então, por nossa conta. Sozinhos.

Começamos a vida em perda e nela continuamos.

Paradoxalmente, no momento em que perdemos algo, outras possibilidades nos surgem.

Ao perdermos o aconchego do útero, ganhamos os braços do mundo.

Ele nos acolhe: nos encanta e nos assusta, nos eleva e nos destrói.

E continuamos a perder e seguimos a ganhar.

Perdemos primeiro a inocência da infância.

A confiança absoluta na mão que segura nossa mão, a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas por que alguém ao nosso lado nos assegura que não nos deixará cair…

E ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar.

Por que? Perguntamos a todos e de tudo.

Abrimos portas para um novo mundo e fechamos janelas, irremediavelmente deixadas para trás. Estamos crescendo.

Nascer, crescer, adolescer, amadurecer, envelhecer, morrer.

Vamos perdendo aos poucos alguns direitos e conquistando outros.

Perdemos o direito de poder chorar bem alto, aos gritos mesmo, quando algo nos é tomado contra a vontade.

Perdemos o direito de dizer absolutamente tudo que nos passa pela cabeça sem medo de causar melindres.

Assim, se nossa tia às vezes nos parece gorda tememos dizer-lhe isso.

Receamos dar risadas escandalosamente da bermuda ridícula do vizinho ou puxar as pelanquinhas do braço da avó com a maior naturalidade do mundo e ainda falar bem alto sobre o assunto.

Estamos crescidos e nos ensinam que não devemos ser tão sinceros. E aprendemos.

E vamos adolescendo ganhamos peso, ganhamos pêlos, ganhamos altura, ganhamos o mundo.

Neste ponto, vivemos em grande conflito.

O mundo todo nos parece inadequado aos nossos sonhos. Ah! os sonhos!!! Ganhamos muitos sonhos.

Sonhamos dormindo, sonhamos acordados, sonhamos o tempo todo. Aí, de repente, caímos na real!

Estamos amadurecendo, todos nos admiram.

Tornamo-nos equilibrados, contidos, ponderados. Perdemos a espontaneidade.

Passamos a utilizar o raciocínio, a razão acima de tudo.

Mas não é justamente essa a condição que nos coloca acima dos outros animais?

A racionalidade, a capacidade de organizar nossas ações de modo lógico e racionalmente planejado?

E continuamos amadurecendo ganhamos um carro novo, um companheiro, ganhamos um diploma.

E desgraçadamente perdemos o direito de gargalhar, de andar descalço, tomar banho de chuva, lamber os dedos e soltar pum sem querer. Mas perdemos peso!!!

Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos e tascamos – lhe aquele beijo estalado, mas apertamos as mãos de todos, ganhamos novos amigos, ganhamos um bom salário, ganhamos reconhecimento, honrarias, títulos honorários e a chave da cidade.

E assim, vamos ganhando tempo , enquanto envelhecemos.

De repente percebemos que ganhamos algumas rugas, algumas dores nas costas (ou nas pernas), ganhamos celulite, estrias, ganhamos peso ,e perdemos cabelos.

Nos damos conta que perdemos também o brilho no olhar, esquecemos os nossos sonhos, deixamos de sorrir. Estamos envelhecendo.

Não podemos deixar pra fazer algo quando estivermos morrendo.

Que a gente cresça e não envelheça simplesmente.

Que tenhamos dores nas costas e alguém que as massageie.

Que tenhamos rugas e boas lembranças.

Que tenhamos juízo mas mantenhamos o bom humor e um pouco de ousadia.

Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos.

E, principalmente, que não digamos apenas eu te amo, mas ajamos de modo que aqueles a quem amamos, sintam-se amados mais do que saibam-se amados.

Afinal, o que é o tempo?


Não é nada em relação a nossa grande missão.


Viver

Fonte do texto: http://www.amelhoridade.kit.net/

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